segunda-feira, 3 de março de 2008

ANTIRRACIONALISMO E ANTIINTELECTUALISMO ARROGANTES


Trechos do artigo “Como emburrecer americanos - A venenosa mistura de antirracionalismo com ignorância sobrepuja as previsões mais apocalípticas sobre o futuro da cultura dos EUA, de Susan Jacoby*, publicada no jornal O Estado de S.Paulo de 02/03/2008 e que pode ser lida na íntegra
aqui.

É quase impossível falar sobre de que forma a ignorância da população contribui para graves problemas nacionais sem ser rotulada de "elitista", um dos mais poderosos pejorativos...

A mediocridade, para parafrasear o falecido senador Daniel Patrick Moynihan, tem sido continuamente definida, em várias décadas, por uma combinação de forças até agora irresistíveis. Essas forças incluem o triunfo da cultura do vídeo sobre a cultura impressa (e por vídeo quero dizer qualquer tipo de mídia digital, assim como as mídias eletrônicas antigas); um descompasso entre o nível em elevação da educação formal dos americanos e seu domínio titubeante de geografia, ciências e história básicas; e a fusão do antirracionalismo com o antiintelectualismo.

Primeiro e acima de tudo, entre os vetores do novo antiintelectualismo, está o vídeo. O declínio da leitura de livros, jornais e revistas é agora uma história velha. A falta de leitura é mais acentuada entre os jovens, mas continua a se acelerar e a afligir americanos de todas as idades e níveis de instrução.

Segundo um relatório divulgado no ano passado pela National Endowment for Arts, o hábito da leitura decaiu não apenas entre as pessoas com baixos níveis de instrução. Em 1982, 82% das pessoas com curso superior liam romances e poemas por prazer; duas décadas mais tarde, essa porcentagem era de somente 67%. E mais de 40% dos americanos com menos de 44 anos não leu um único livro - de ficção ou não-ficção - no decorrer de um ano. A proporção de jovens de 17 anos que não lêem nada (a não ser o exigido pela escola) mais do que dobrou entre 1984 e 2004. Este período de tempo, é claro, abarca o surgimento dos computadores pessoais, a navegação na web e os jogos de vídeo.

Será que isso importa? Tecnófilos ridicularizam as lamúrias sobre o fim da cultura escrita como a auto-absorção de (quem mais?) os elitistas. No seu livro Everything Bad is Good For You: How Today's Popular Culture Is Actually Making Us Smarter (Tudo que é Ruim é Bom para Você: Como a Cultura Popular de Hoje Está, na Verdade, nos Tornando mais Inteligentes), o escritor científico Steven Johnson nos assegura que não temos nada com o que nos preocupar.

Certo, os pais podem ver seus "filhos vibrantes e ativos olhando, silenciosamente e boquiabertos, para uma tela". Mas estas características de zumbi "não são sinais de atrofia mental. São sinais de concentração". Tolice. A verdadeira questão é o que crianças pequenas estão deixando de fazer e não no que estão se concentrando, enquanto estão hipnotizados por vídeos que já viram dezenas de vezes.

A diminuição do espaço da atenção pública fomentada pelo vídeo está intimamente ligada à segunda força antiintelectual mais importante na cultura americana - a erosão do conhecimento geral.

Segundo um levantamento de 2006 da National Geographic-Roper, quase metade dos americanos com idade entre 18 e 24 anos não acha necessário saber a localização de outros países nos quais importantes acontecimentos estão sendo objeto de notícia. Mais de um terço da população acha que "não tem nenhuma importância" saber uma língua estrangeira, e somente 14% consideram importante o conhecimento de línguas estrangeiras.

Isso nos conduz ao terceiro e último fator que está por trás do emburrecimento americano: o problema não é a falta de conhecimento em si, mas a arrogância em relação a essa falta de conhecimento. A questão não é apenas as coisas que não sabemos (considere o fato de que um em cada cinco americanos adultos pensa que o Sol gira em torno da Terra, segundo a National Science Foundation) - mas o alarmante número de americanos que, presunçosamente, concluem que não precisam saber tais coisas em primeiro lugar.

Chame isso de antirracionalismo, uma síndrome particularmente perigosa para nossas instituições e intercâmbio de idéias. Não saber uma língua estrangeira nem a localização de um país importante é uma manifestação de ignorância; negar que tal conhecimento importa é puro antirracionalismo.

Não existe uma cura rápida para esta epidemia de antirracionalismo e antiintelectualismo arrogantes. Esforços repetidos para elevar as notas dos testes padronizados abarrotando os alunos com respostas específicas para perguntas específicas em testes específicos não adiantarão. Além disso, as pessoas que são exemplos do problema geralmente não o percebem. ("Pouquíssima gente acredita ser contra o pensamento e a cultura", observou Hofstadter.) Já está mais do que na hora de uma discussão nacional séria sobre se nós, como uma nação, valorizamos verdadeiramente o intelecto e a racionalidade.

* A premiada escritora americana Susan Jacoby é autora, entre outros, de The Age of American Unreason. É colaboradora dos principais jornais americanos e ingleses.

2 comentários:

robertobech disse...

Numa madrugada dessas eu vi uma entrevista com o Steven Johnson. Gostei da entrevista, acho que o ponto de vista dele é válido.

Por outro lado, essa questão de que o problema é o que as crianças estão deixando de fazer é interessante. Eu só não acho que as crianças não estão deixando de ler por causa dos games, ou da TV.

Eu sempre gostei de tecnologia, fui vidrado em games desde moleque - e ainda sou. Vivo na internet. Acontece que o prazer que eu sinto em ler é totalmente diferente do prazer que sinto em navegar ou jogar. E eu quero fazer as três coisas, cada uma ao seu tempo.

É chover no molhado colocar a culpa nos pais, mas a culpa é deles mesmo. Querer que o governo incentive seus filhos a ler é transferir a responsabilidade. Achar que seus filhos não lêem por culpa dos malditos videogames é pior ainda.

Interessante o post.

Unknown disse...

É......
Não são apenas os americanos....

Triste!!!!