quinta-feira, 10 de março de 2011

ANTICLIMAX


Em cursos superiores ou de especialização e em MBAs na área de marketing, todos que puderam estar em suas salas de aula viram como as estratégias de abordagem ou alcance do consumidor mudaram.

Há algum tempo, muito mais que as qualidades do produto ou serviço em si, fala-se muito da experiência do consumidor com aquilo que ele adquire. Essa tal experiência não trata apenas do uso ou manuseio do produto ou serviço, mas algo muito mais abrangente. Para não me estender demais, diria que começa na aparência da loja, seja ela real ou virtual e vai até além do pós-venda. Se tudo der certo, nem termina.

Há poucos, infelizmente, muito poucos casos assim, em que todas as ferramentas de marketing são utilizadas com maestria em sua máxima potência.

Quem já comprou algo numa Apple Store, como a da 5ª Avenida em Manhattan, sabe do que estou falando. A loja é um show à parte, os atendentes muito bem treinados e solícitos, você pode experimentar, manusear os produtos ali nos diversos balcões e se comprar um iPad, por exemplo, terá uma aula de como ligá-lo e configurá-lo. Ao adquirir um aparelho desses é como se você passasse a fazer parte de um universo singular, um “clube”, e tem uma infinidade de programas para baixar, testar, comprar. A experiência começa antes de você entrar na loja e, de certo modo, não termina nunca.

Outro exemplo – e era desse que eu queria falar – é da Nespresso. Você com certeza já deve ter visto uma de suas lojas com ambientação sofisticada, as máquinas muito bem expostas, atendentes muito bem vestidos e treinados, as cápsulas de cafés decorando as paredes...

Ali também a experiência começa antes mesmo de entrar na loja e, novamente, se tudo der certo, nunca termina. Aqui você também tem a sensação de passar a fazer parte de um grupo seleto, recebe até um cartão (uma carteirinha do clube?!) para suas futuras compras de cápsulas de café pelo teleatendimento ou internet. Eles entregam em casa.

Os materiais impressos que acompanham as máquinas e as cápsulas de café são de muito bom gosto, excelente layout, ótima qualidade de papel. Folhetos explicativos, manual da máquina, estojo para cápsulas. Tudo lhe é entregue mediante explicações pacientemente detalhadas dadas pela atendente, mesmo que a loja esteja transbordando de clientes. Haja sangue frio...

Então você está feliz, comprou sua Nespresso, comprou também uma caixa com todos os dezesseis tipos de cafés que suas papilas gustativas jamais conseguirão diferenciar totalmente, não vê a hora de ler todo o manual sobre as moagens e combinações de Arábicas com Robusta e acomodar as cápsulas naquele estojo bacana para impressionar suas visitas.

Você abre a caixa eufórico, coloca a máquina sobre a pia da cozinha, mas num canto especial, enche o recipiente posterior de água filtrada, escolhe uma cápsula para fazer sua primeira degustação, pega o cabo para conectá-la à tomada na parede e...

...E só então percebe que o plugue da máquina tem três pinos e a tomada na parede tem apenas dois furos.

Você não põe a culpa na Nespresso, obviamente que não pois eles fizeram o dever de casa direitinho. A culpa é sua de não ter atualizado as tomadas de sua casa de acordo com as novas normas brasileiras – únicas no planeta, só aqui essa aberração ocorreu.

Mais que depressa pega o carro e voa até uma Telhanorte, Leroy Merlin ou C&C para comprar um adaptador. Procura, procura, procura, desiste. Pergunta para um vendedor e descobre que não existe adaptador de 3 para 2 pinos. Você terá de trocar a tomada da parede.

OK,  é baratinho (comparada com a máquina de café e a caixa de cápsulas). Compra uma e corre pra casa.

Aquela experiência chique, quase mágica de tomar um café de primeira numa máquina de design diferenciado fica um pouco pra mais tarde, depois de sua atuação como eletricista.

Tomada nova no lugar, vamos ligar a máquina e...

...E os pinos não entram. Você tenta, tenta, se contorce, mas eles não entram. Algo deve estar errado com essa tomada, claro! Você volta à loja – que não é nem de longe tão bacana quanto à loja da Nespresso, mas fazer o quê – e reclama com a atendente. Aí você descobre que o aparelho deve exigir uma tomada de três pinos de 20 ampéres, mais largos que os tradicionais.

Compra mais uma tomada, volta pra casa estressado, cansado, desliga a chave geral de novo, tira a tomada nova, coloca a mais nova e então...

...Ah, que maravilha de café.

Então, agora menos irritado, você se pergunta: de quem é a “culpa”? Adiantou todo o esforço de marketing - do design das máquinas à elaboração esmerada do estojo para cápsulas - para, na hora H, dar tudo errado por um mero detalhe? Só eu fui vítima desse detalhe? Será que é porque “não é chique” ficar dando explicações sobre tomadas e amperagens durante a conversa sobre as famílias aromáticas dos Grand Crus que ninguém na loja nos avisa disso?

O marketing da “experiência do cliente” é caro, sofisticado, inteligente, abrangente mas chega quase a ser um enorme desperdício de recursos, nesse caso, por causa de uma simples tomada.