quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

A IGREJA E A PÍLULA

De repente, num certo dia de verão, uma equipe de advogados do Esporte Clube Corínthians resolve entrar com representação judicial solicitando à Promotoria de Justiça da República (nem sei se isso existe) que seja proibido a qualquer cidadão brasileiro o uso de roupas em tons de verde.

Ah, você está rindo, não é?! Delírio puro, você deve ter pensado.

Mas isso não é muito diferente do que fez a Pastoral da Saúde da Arquidiocese de Olinda e Recife com sua representação judicial solicitando a proibição da tal “pílula do dia seguinte” durante o carnaval no estado.

Ainda que tenha enorme peso a eterna polêmica ética e jurídica sobre o início da vida e o direito da mulher, que deveria ser uma discussão laica, lembrando o exemplo futebolístico acima pergunto: com quê direito uma agremiação (e os católicos são apenas uma agremiação, porém bem grande) pode querer proibir algo a todos os cidadãos, incluindo aqueles que NÃO pertencem aos seus quadros?

Se a Igreja Católica entende que a tal pílula anticoncepcional de emergência é crime e convoca todos os seus seguidores a não utilizá-la, tudo bem. Mas deixem os demais em paz!

Se isso fosse permitido, se cada grupo religioso começar a dar entrada em processos judiciais tentando usar a força da lei em favor de seus pontos de vitas e princípios, o caos rapidamente se instalaria.

Logo, umbandistas iriam querer estender a todos alguns de seus rituais com galinhas mortas, budistas tibetanos iriam exigir que parte das programações da rádios fosse composta por mantras, muçulmanos iriam obrigar a todos que se ajoelhassem em direção à Meca nos finais de tarde, islâmicos iriam fazer todos jejuarem no mês do Ramadam e jurar sobre o Corão em julgamentos, tantristas iriam querer Carnaval o ano todo...

Aliás, carnaval nem pensar!
Todas as mulheres teriam de usar burca...

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

PRODUTO X MARKETING

Aqueles que trabalham com desenvolvimento de produtos – como eu trabalhei por anos – sabem da difícil luta contra as demais áreas da empresa que têm de enfrentar.

É duro trabalhar com desenvolvimento de produtos e nunca conseguir lançar “aquele” produto por causa das imensas barreiras que as mentes menos brilhantes teimam em colocar na sua frente, não é mesmo?

Querendo elaborar o melhor dos produtos para o seu mercado, é preciso se desdobrar e gastar muita energia contra as negativas das áreas Técnicas, os problemáticos questionamentos das áreas Operacionais, os intrincados cálculos dos Financeiros, as exigências das áreas Comerciais, os palpites aleatórios e contaminados por gostos pessoais das Diretorias...

Steve Jobs, à frente da Apple, trouxe a empresa de volta aos lucros e a um patamar que, apesar de criticada por muitos, é cultuada quase como religião.

Mas o que faz de Jobs Jobs (e da Apple, Apple)?

"Na Apple, quando as pessoas têm a visão de um bom projeto, elas o perseguem sem medir esforços", disse a VEJA o diretor de design da Philips, Oscar Peña.

Outro especialista, Mark Rolston, da californiana Frog Design, complementa: "Na grande maioria das empresas não é isso o que ocorre. Em geral, um produto é definido a partir do que é mais barato ou, pior, com base no que é mais conveniente".

Em uma de suas raras entrevistas, concedida à revista Time, Steve Jobs resume o seu segredo e o da Apple: "Todo fabricante de automóveis gosta de exibir seu ‘carro-conceito’, que deixa a imprensa e os consumidores de queixo caído. O problema é que, quando ele finalmente é lançado, quatro anos depois o carro é um lixo. O que acontece? Ora, o designer tem uma peça maravilhosa nas mãos, mas os engenheiros simplesmente não conseguem fabricá-la em série. Na Apple, nós conseguimos".

Ou seja: se fosse uma indústria automobilística, a Apple colocaria nas ruas HOJE, antes de toda a concorrência, aqueles carros-conceito que só ficam em salões de automóveis e em nossos sonhos.

Como? Não tente o truque em sua própria empresa. "Os engenheiros vêm com 38 razões para matar nossas melhores idéias, e eu digo a eles que não aceito ‘nãos’ porque eu sou o chefe e sei que aquilo pode ser feito como eu quero", disse Jobs na mesma entrevista.

Não se engane:

- a Apple NÃO é uma empresa voltada a “produtos”, em se falando de estratégia de negócios. É uma empresa voltada ao marketing, pois seus produtos, tecnicamente falando, não são páreos para os muitos concorrentes, que além de tudo são mais baratos (ou menos caros);

- conseguir o que Jobs consegue diante de seus engenheiros pessimistas só é possível porque é ele quem manda. De nada adiantaria um gerente espernear de lá de sua média gerência se o presidente da empresa não estiver na mesma linha de raciocínio.

Conclusão meio óbvia: áreas de desenvolvimento de produtos são estratégicas e não devem permanecer sob tutela e arreio de uma ou outra Diretoria, mas sim estar ligadas diretamente à Presidência.

É preciso “poder para poder fazer”.

Utilizando trechos da reportagem na Veja dessa semana.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

EM BUSCA DE NOVOS DESAFIOS

Há muitos textos e até livros criticando os neologismos e o modo como falam os executivos.
Existem até pequenos programinhas ou tabelas em que você pode misturar uma série de palavras que, juntas, formam frases que são ouvidas constantemente em reuniões executivas – e não dizem absolutamente nada.

Leio o jornal de hoje e vejo que um superexecutivo deixou uma certa empresa de TV por assinatura “em busca de novos desafios”.

Essa expressão deveria constar entre as bobagens que muitos falam como um eufemismo, em minha opinião, hipócrita e bem pouco eficiente.

A todo momento lemos artigos sobre o excesso de exigências nas empresas, o olhar aterrorizador dos acionistas em busca de retorno imediato, avaliações de desempenho, excesso de horas semanais trabalhadas, concorrência cada vez mais acirrada, teorias de administração que não param de brotar, o estresse tomando conta de todos, as mudanças constantes nos mercados em evolução que não deixam ninguém dormir direito...

Ora, se é assim, então como alguém pode se sentir pouco desafiado? Algum executivo pode se queixar de tédio atualmente?

Eu duvido que seja lá quem for busque, verdadeiramente, novos desafios. A pessoa busca novas situações, novos rostos, novos ambientes e, com certeza, segurança, conforto, natural para qualquer espécie viva nesse planeta. Para isso, é necessária a estabilidade... E, no caso humano-capitalista, dinheiro.

Porque ninguém diz, COM SINCERIDADE, que está desempregado? Tentando retornar ao mercado de trabalho? À procura de um salário melhor? Ou de um lugar pra trabalhar menos horas por semana? Que quer mais tempo pra ficar com a família? Ou que quer a maior distância possível do último chefe? Que não consegue mais acordar de manhã e ir pro mesmo lugar, mesma mesa e mesmos problemas todo dia?

Alguém AINDA acredita nessa expressão?

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

ENTREVISTAS DE SELEÇÃO

Entrevistas de emprego são, muitas vezes, surreais. A quase totalidade delas utiliza o método MEQuEG – Me Engana Que Eu Gosto.
Fala sério: qual a resposta HONESTA para “onde e como você se vê daqui a cinco anos?”. A resposta-padrão deve ser algo como “ocupando a cadeira de diretor...”, “tornar-me um profissional reconhecido pelo mercado...”, “estar dirigindo meu próprio negócio” e coisas do tipo.
Ora, minha vontade é dizer que não tenho bola de cristal e, apesar de não ser míope, não enxergo tão longe assim. No máximo, posso dizer que espero estar vivo, com saúde e curtindo uma paz interior. Se estiver assim, os demais aspectos de minha vida com certeza estarão em ordem.
Invariavelmente, todos perguntam “...como anda seu Inglês?”. Minha vontade é dizer que ele anda em linha reta, cabeça erguida, fleumático como de costume mas que não tem nada de “meu”, sai prá lá que sou espada. Desde minha primeira entrevista, há mais de 20 anos, me perguntam isso. Nunca precisei usar o Inglês no trabalho, apesar de poder fazê-lo se quisesse.
Talvez a pior pergunta seja “porque devemos contratá-lo?”. A resposta franca: porque estou
desempregado e as contas não param de chegar. Simples, direta, honesta. Mas não é isso que querem ouvir: você precisa elaborar um argumento qualquer sobre suas qualidades, sobre o que você pode fazer pela empresa, que conhecimentos traz e pode aplicar aprimorando resultados...blá...blá...blá.

O mesmo se aplica a uma variação da pergunta acima: “qual seu diferencial em relação aos demais?”. E eu lá conheço os demais?!? Como vou saber quais das minhas centenas de milhares de qualidades não foi pirateada pelos invejosos concorrentes?
“O que você procura nesse novo emprego?”. O salário, minha filha, o salário! Mas o correto é dizer que busca novos desafios, desenvolvimento profissional e chances de contribuir com a empresa e crescer com ela. Que lindo...
Já te encostando contra a parede antes mesmo de contratá-lo, enfiam-lhe esta: “trabalha bem sob pressão?”. Resposta bacana: 
sim, eu sou uma “Lares” em pessoa (alguém lembra do comercial com o casal nipônico?). Ok, Lares é meio antiga e acho que a profissional de RH, se não tiver mais de 40, não vai entender. Diga então que você é meio como uma Clock ou Penedo.
É claro, é óbvio, é humano não gostar nem um pouco de trabalhar sob pressão, mas sua resistência à ela é bem vista no mundo corporativo, além de já deixá-lo pré-avisado de que aquele maluco que vai ser teu chefe berra como louco pelos corredores. Alguns até dizem gostar de pressão, sob a desculpa de que assim produzem melhor... Assim como burros puxam mais rápido as carroças quando chicoteados.
Aí chega a hora fatal, o golpe de misericórdia: “cite um defeito e uma qualidade sua”. A saída que a maioria procura para essa enrascada é dizer que seu defeito é ser exigente demais ou perfeccionista (rs...rs...rs... eu não agüento) e sua principal qualidade pode ser uma entre entusiasmo, persistência, dedicação, responsabilidade e competência técnica (o mundo não me descobriu ainda...).
Sabendo que essas perguntas clássicas são utilizadas desde os tempos de Noé – ele acabou não contratando ninguém pois todos responderam honestamente e construiu a Arca sozinho – e as respostas desejáveis são encontradas aos montes na internet, por que continuam a utilizá-las? Preguiça? Falta de imaginação? Querem verificar se o candidato decorou direitinho as respostas que leu nos sites de RH?
Ou querem perpetuar esse mundo de faz-de-conta?



segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

MACACO VÊ, MACACO FAZ



A expressão em inglês “monkey see, monkey do” é usada quando se quer passar a idéia de alguém que imita algo - ou alguém - em ações, assim como os macacos fazem. Se observarmos os macacos do zôo vamos notar que se um deles coça a cabeça, os outros também o fazem. Faz parte do instinto deles, e de muitas pessoas também.

Eu estava pensando sobre isso durante a virada de ano: quanto idiota há nesse mundo disposto a literalmente queimar dinheiro com rojões. Falo de rojões mesmo, aqueles que só fazem barulho, muito barulho e mais nada, e não dos fogos de artifício, que também fazem barulho mas ao menos oferecem um adicional espetáculo aos olhos.

Não venha me dizer que rojões são um espetáculo aos ouvidos, por favor...

Duvidando que as pessoas realmente gostem do barulho, comecei a teorizar que essa imbecilidade se perpetua por pura imitação e nunca alguém resolveu parar pra pensar na cretinice que estava fazendo.
Agora vejo no Fantástico
crianças se divertindo em touradas. Não na platéia, mas como toureiros!

Os mini-toureiros mexicanos falam da adrenalina enfrentando os touros. Adrenalina de verdade é atravessar as duas pistas da 23 de Maio na hora do rush de olhos vendados! Isso eu queria ver...

Importada da Espanha, a tourada virou mania doentia no México assim como os rodeios, importados dos EUA, viraram mania entre os jecas tupiniquins.
É bem possível que, como ainda muitos pensam que tudo que é importado é melhor, em breve tenhamos touradas também aqui no Brasil.

É interessante notar que, apesar da evolução ser um processo natural, muitos de nós humanos combatemos essa força da natureza e nos esforçamos para continuar ignorantes bárbaros.

Esfolar, picar, sangrar, esfaquear um animal é bonito? Ver sangue jorrando e um animal agonizando para sua diversão é digno de uma raça que se diz “superior, racional e inteligente”?

Por que não aceleramos de vez esse processo de INvolução e reeditamos os espetáculos das arenas romanas nos quais pessoas enfrentavam tigres e leões verdadeiramente à unha, sem armas?

Por que só os animais podem morrer para nossa diversão?

Precisamos parar de imitar comportamentos, manias e imbecilidades do passado e passarmos a usar nosso bendito cérebro (mesmo que seja apenas 10% como alguns ainda acreditam) para criar ou adotar comportamentos mais adequados ao mundo que desejamos mas fazemos muito pouco para alcançar.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

QUER CRUZAR?


Eu sou cachorreiro.
Para os que não conhecem o termo, cachorreiro é alguém que curte cachorro (bastante óbvio, não?!). Mas “curtir” cães é um termo abstrato. Afinal, o que é curtir um cão?

Tenho duas cachorrinhas, ambas com quase seis anos. Para mim, elas são “minhas meninas”. Segundo alguns especialistas, trato-as de maneira flagrantemente equivocada, como se fossem humanas. Mas e daí? Nunca tive problemas, nem elas.

Desde pequenas eu as levo diariamente em praças perto de casa, onde as solto, deixo andarem livres, correrem e fazerem suas necessidades (que recolho, sempre).

Nessas praças da cidade, cada passeio é uma confraternização. Cães correndo pela grama, seus donos nos degraus ou bancos, conversando. Apesar de, eventualmente, descobrirmos que entre nós há um médico, advogado ou professor universitário, ali humanos não têm nome nem profissão, mas a maioria sabe os nomes dos cachorros dos outros. “Olha Bebê (é o nome de um Fox paulistinha), um au-au amigo”, “Docemel, vai brincar com o Salomão, vai”, “Olha lá, Biba, é o Ship, corre”.

Sei, sei, coisa de louco...

Mais louco ainda é perceber que, mesmo entre os que amam seus cães, muitos ainda se aproximam e perguntam se quero “cruzar” minha schnauzer. Tirando um ou dois que apenas queriam aliviar a tensão de seus pequenos machos, a maioria vem com esse papo por interesses financeiros. O costume é o dono do macho ficar com ao menos um filhote que, em petshops, vale mais de mil reais.

E argumentam que a vantagem é toda minha, pois lucraria muito com os outros possíveis três, quatro ou cinco filhotes.

Qual a diferença em perguntar “Ei, você tem filha maior de idade? Não quer cruzá-la e depois vendemos seus netos?”.

Num passado não muito distante, era legítimo, legal, lucrativo e aceito por toda a sociedade vender pessoas de pele escura, roubadas do continente africano. Era particularmente lucrativo engravidar mulheres negras muitas vezes à força e vender seus filhos mais fortes e sadios, separando famílias assim como fazemos hoje com cães, gatos e todos os outros animais.

Evoluímos (muito pouco) e proibimos isso. Quando será que daremos definitivamente mais um passo na evolução e passaremos a tratar animais como iguais em direito à vida e individualidade?

No excelente artigo “Coisas que possuem mente”, Luciano Carlos Cunha argumenta que “...Tratar um indivíduo que possui mente como se fosse uma mercadoria é rebaixá-lo ao estatuto de coisa, é mostrar desrespeito pelo seu valor inerente...” e lança a pergunta: “...por que respeitar um interesse de não ser usado como uma coisa, de não ser escravizado, em um ser de nossa espécie, e não no de outra? O que nos torna tão especiais?”.

A cada dia a ciência apresenta mais resultados de estudos comprovando a proximidade biológica e até mental entre animais humanos e não-humanos.

Está mais que na hora de, como no comercial, revermos nossos conceitos.

Para quem quer entender um pouco mais sobre esse ponto de vista, antes de comprar um cão ou gato em pet shops ou abandonar o seu, recomendo "Terráqueos".