quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

A IGREJA E A PÍLULA

De repente, num certo dia de verão, uma equipe de advogados do Esporte Clube Corínthians resolve entrar com representação judicial solicitando à Promotoria de Justiça da República (nem sei se isso existe) que seja proibido a qualquer cidadão brasileiro o uso de roupas em tons de verde.

Ah, você está rindo, não é?! Delírio puro, você deve ter pensado.

Mas isso não é muito diferente do que fez a Pastoral da Saúde da Arquidiocese de Olinda e Recife com sua representação judicial solicitando a proibição da tal “pílula do dia seguinte” durante o carnaval no estado.

Ainda que tenha enorme peso a eterna polêmica ética e jurídica sobre o início da vida e o direito da mulher, que deveria ser uma discussão laica, lembrando o exemplo futebolístico acima pergunto: com quê direito uma agremiação (e os católicos são apenas uma agremiação, porém bem grande) pode querer proibir algo a todos os cidadãos, incluindo aqueles que NÃO pertencem aos seus quadros?

Se a Igreja Católica entende que a tal pílula anticoncepcional de emergência é crime e convoca todos os seus seguidores a não utilizá-la, tudo bem. Mas deixem os demais em paz!

Se isso fosse permitido, se cada grupo religioso começar a dar entrada em processos judiciais tentando usar a força da lei em favor de seus pontos de vitas e princípios, o caos rapidamente se instalaria.

Logo, umbandistas iriam querer estender a todos alguns de seus rituais com galinhas mortas, budistas tibetanos iriam exigir que parte das programações da rádios fosse composta por mantras, muçulmanos iriam obrigar a todos que se ajoelhassem em direção à Meca nos finais de tarde, islâmicos iriam fazer todos jejuarem no mês do Ramadam e jurar sobre o Corão em julgamentos, tantristas iriam querer Carnaval o ano todo...

Aliás, carnaval nem pensar!
Todas as mulheres teriam de usar burca...

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi Luís,


O que os escritores ateus, de modo geral, defendem em seus livros é justamente isso. Enquanto os religiosos ficarem na sua, tudo bem. O grave é quando tentam impor o seu modo de viver e se relacionar com o mundo aos demais.

Esse é o lado daninho e perigoso denunciado por autores como Hitchens e Dawkins.

Quanto à sua analogia, ela é bem apropriada. Eu sempre falei que pertencer a uma igreja é como ser sócio de um clube. Por isso quando o papa discursa contra a pílula e o divórcio, por exemplo, os católicos não têm nada que se opor. Essa é a igreja, quem não quiser que saia dela. Se no estatuto do clube está escrito que não se pode freqüentar a piscina de maiô branco, quem não respeita é advertido ou expulso, não é? É a mesma coisa. Querer mudar essas regras pelas conveniências individuais é ridículo. Não existe religião tailor-made, é pegar ou largar. Talvez o budismo tenha um pouco desse laissez faire, mas creio que não muito.

A frase "Deus é fiel" foi adotada pela Renascer, mas pelo que sei é um versículo da Bíblia, ou parte de um.

Nobu

robertobech disse...

Como disse o Nobu, esse é o lado perigoso da crença religiosa. A lei não pode ter nada a ver com religião.

Por exemplo, quando se discute o aborto, eu entendo que existam pessoas favoráveis e pessoas contrárias. O que eu não aceito é que a proibição ao aborto seja baseada em argumentos religiosos, temos que basear a sociedade em princípios lógicos e morais que nada tem a ver com religião. Temos que tomar nossas decisões sem ter que consultar um oráculo.

O Dawkins cita um caso em que um juiz americano concedeu a uma seita religiosa o direito de usar maconha, pois a seita alegava que a maconha era necessária para que eles falassem com Deus - já pensou, chegar no céu e dar de cara com o Bob Marley sentado numa cadeira de ouro? E enquanto isso, milhares de doentes que precisam fazer uso da maconha por questões de saúde - afinal, maconha também é remédio - tem esse direito negado.