Numa certa mostra internacional, artistas corriam para preparar a exposição de suas obras antes da abertura para o público. Quadros pra lá, eletricistas, esculturas pra cá, marceneiros, instalações diversas sendo montadas a toque de caixa e faxineiros tentando deixar tudo em ordem.
Portas abertas pela manhã, no início da tarde alguns sites já exibiam artigos com opiniões de críticos e especialistas sobre as obras da exposição.
Sobre uma delas escreveram, com comentários repletos de filosofia, psicologia, muitas metáforas e elogios, que o artista baseava-se na vida cotidiana atual, no caos das cidades grandes e nos sentimentos aflitivos de seus moradores para criar suas instalações. Era um artista famoso e suas obras valiam uma grana preta.
Corria, porém, entre os funcionários, um comentário fortemente abafado pelos organizadores da mostra que o tal artista havia passado mal na noite anterior enquanto preparava sua instalação. Abandonando o local sem terminá-la, os faxineiros não tiveram dúvida: acreditando que “aquilo” eram sobras de alguma coisa qualquer, puseram-se a fazer seu trabalho e varreram boa parte da “obra” para o lixo e amontoaram outro tanto de tralhas num canto para que não atrapalhasse a passagem dos visitantes.
A “obra” tão elogiosamente comentada era, em verdade, trabalho dos faxineiros.
Noutro caso, um museu em Londres ou Paris, não me lembro bem, exibiu durante algum tempo um valiosíssimo quadro de um artista do século XVIII. Visitantes faziam enormes filas para ver o tal quadro e críticos babavam sobre a técnica das pinceladas, a profundidade e equilíbrio das cores e formas, sobre a prodigiosa mente criadora do artista.
Tudo ruiu quando especialistas, utilizando técnicas laboratoriais, descobriram que o quadro não havia sido pintado pelo autor que imaginavam, ou seja, era falso. Como mágica, o quadro que valia algumas centenas de milhares de euros passou a valer menos que o custo das tintas nele utilizadas. Zero, nada, foi pro lixo.
Com estes dois casos ocorreram-me algumas idéias sobre o valor das coisas. Tanto a instalação como o quadro, com tantas qualidades amplamente elogiadas, não tinham nenhum valor em si. O valor estava em quem fez, ou melhor, em quem imaginavam que havia feito.
Assim: se a instalação foi montada pelo tal diarréico, é artística e vale muita grana; se foi feita por faxineiros não vale nada. O quadro, que nada mudou de antes para depois da revelação, valia euros com muitos zeros à direita se tivesse sido pintado pelo tal artista mas, pintado por um Zé qualquer, não valia nada.
Entendeu? O que vale não é “o que”, mas “quem”.
É mais ou menos como, popularmente falando, ter ou não etiqueta original. Uma camiseta de marca X custa R$150,00 mas uma idêntica, comprada no Largo da Batata em Pinheiros, pode ser encontrada por R$20,00.
Eu tenho profunda implicância com Miró. Certa vez, quando suas obras estavam no MASP e o fato tomou a mídia por um bom tempo (demais), eu e meus colegas fizemos umas reproduções de suas obras. Algumas ficaram realmente muito próximas do original.
Falando sério: porque os quadros do Miró valem tanto dinheiro, uns rabiscos que se não me avisassem eu juraria que haviam sido feitos por uma criança de quatro anos com problemas motores, e os nossos não valiam nada?
Simples: porque ele se tornou “marca”, “etiqueta”. Isso alcançado, qualquer m... que ele fizer valerá uma big Sansonite cheia de dólares.
Há muitas possibilidades de explicações sobre como se faz isso, como alguém consegue colocar tremendo valor nas tranqueiras que faz. Invente a sua, assim como pintores, escultores, costureiros e designers inventam mirabolantes explicações sobre o que fazem.
Os rabiscos de minha sobrinha devem valer uma fortuna, basta que eu invista alguns minutos na criação de uma explicação metafísica sobre os garranchos e convença algum marchand. Pronto!
Muitos caem na conversa e pagam os olhos da cara por algo que, acidentalmente, um chimpanzé poderia fazer.
Para valorizar e dar alguma erudição a uma praça perto de onde eu trabalhava, empresas ao redor se responsabilizaram pela manutenção dos canteiros, da limpeza e, finalmente, decidiram colocar uma obra de certa artista plástica. Ela era artista plástica, mas sua obra era um grosso tronco de madeira natural colocado meio em pé, num ângulo de 45 graus em relação ao chão.
Bonito isso: um enorme toco de madeira inclinado. Isso, hoje, é arte. Isso é arte? Minha nossa...
Um comentário:
Mandou bem! Concordo P-L-E-N-A-M-E-N-T-E!
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