segunda-feira, 24 de março de 2008

ARISTÓTELES E NIETZSCHE

Olhando agora ele precisava admitir que deixar crescer a barba cerrada e grisalha tinha sido um certo tipo de rebeldia, um tanto tardia e tímida, ele sabia, mas algo meio que nos moldes dos jovens cabeludos e barbudos nos anos 60 e 70. Hippies protestando contra “o sistema”, sabe-se lá o que era isso.

Obviamente, justificou-se com todos os argumentos disfarçantes que encontrou, desde simples preguiça até a economia de tempo no banheiro pela manhã. Mas, em verdade, protestava.

Seu protesto vinha do fundo da alma, não era algo claro nem a ele mesmo. Fazia-o como um impulso que aos poucos foi entendendo. Era rebeldia contra o tipo de vida que levava, escravo do relógio, das cobranças da chefia, das pressões da vida corporativa, dos conjuntos “cabelos curtos-ternos cinza-sapatos pretos-gravata”. Era um protesto contra a exigência de criatividade apenas no discurso num mundo que prezava, antes de mais nada, a homogeneidade inclusive de pensamento – e, por tabela, a mediocridade. Mediocridade difícil de apontar entre executivos bem remunerados. Mas percebia que todos pensavam igual, agiam igual, acertavam e erravam igual, contavam piadas iguais...

Tardio esse protesto, como já disse, pois já passara dos 35 há tempos.

Como única vazão, deixar crescer a barba não foi suficiente para sanar essa revolta interior. Dissonante, doente por não conseguir colocar sua imaginação e suposto talento em serviço, foi se tornando sorumbático, calado, esquivo, exatamente como descreve o
Indicador de Tipos Myers-Briggs com pessoas assim.

Perguntava-se às vezes qual o motivo disso tudo nessa altura de sua vida. Era difícil localizar um momento específico, um evento ou causa única. Percebia que desde muito cedo tinha tendências melancólicas. Passava tardes inteiras preenchendo cadernos de desenho ou brincando sozinho com seu Forte Apache. Brincava também com os amigos, mas ficar só com seus pensamentos – ou, em outras palavras, viajando profundamente num particular mundo de imaginação pura e livre - não era algo estranho para ele. Ler quase inteira a coleção Conhecer e se deslumbrar com as aventuras vikings ou os relatos das Cruzadas enquanto os primos iam pular Carnaval à tardinha causava estranhamento em toda a família, mas fazer o quê, era assim que se divertia acompanhado de uma lata de biscoitos de Maisena.

Melancolia, como diria Aristóteles, é um estado de espírito associado a uma experiência de interiorização profunda e fértil, um estado afetivo propício a todo ser que tenha como projeto compreender e modificar o mundo, mas que traz consigo um peso e imobilidade que infligem simultaneamente ao corpo e a mente, um afundamento nos próprios pensamentos e a perda de interesse pelo mundo exterior, descrevendo os sintomas da bílis negra, uma das muitas substâncias constituintes do corpo humano segundo a medicina antiga.

É mais freqüentemente associada a escritores, pintores, filósofos e intelectuais.

Quem dera...

Para ele, o duro de ser melancólico não era parecer sempre triste, ser considerado esquisito ou sentir o peso da existência em suas costas, mas não ter o talento para tirar algo disso como fez Nietzsche, Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Dostoiévski, Machado de Assis, Miguel de Cervantes, Camus, Kafka, Goya, Baudelaire, Dürer... São exemplos de gênios, em que a criatividade surgia a partir da melancolia. Em comum entre os grandes e famosos melancólicos da história da literatura, uma certa insatisfação com a vida.

Nietzsche, que desconfio secretamente ter sido brasileiro, carioca ou baiano, desenvolveu a teoria da criatividade associada à alegria e à vontade de viver. O culto ao peso e à melancolia parecia-lhe antes um dos sintomas do niilismo europeu. Seu projeto de uma "Gaia Ciência" escolheu não o eremita nem o monge como modelo, mas a criança que brinca, o homem que dança, a mulher que canta.

E o brasileiro, o povo, o país, aprendeu direitinho. Aqui, o melancólico é o chato de galocha, o mala-sem-alça.

Não dá futuro ser melancólico em meio a tanto samba, suor e cerveja.

Um comentário:

Anônimo disse...

voce tem uma visão muito pessimista da filosofia de aristoteles. aristoteles fundou as bases da ciencia, junto com platão e socrates.e ele pregava a busca pela verdade moral e espiritual no mundo, e não apenas a verdade material.o que ele d
izia era que, quando mais conhecimento uma pessoa tem, quanto mais esclarecida ela é, mais pode ver as injustiças que ficam ao redor dela.uma pessoa sem estudo, por exemplo, na maioria das vezes, não vê que o governo não lhe dá uma educação de qualidade e não percebe a corrupção em volta. a ignorancia é como um veu que encobre nossos olhos, e o conhecimento desata esse veu. mas quando desatamos, vemos a injustiça, a corrupção e a dor. daí vem a melancolia. como diz um ditado:"a ignorancia é uma benção". essa "benção" cega o ser humano como um analgésico que é dado a um paciente antes de receber uma injeção letal, para não sentir dor antes de morrer.a alegria de viver não foi um fundamento de nietzsche, mas a vontade de poder é que era. os jovens são em geral, alegres e felizes, mas não tem sabedoria e são inconsequentes muitas vezes. o ideal seria a alegria e a sabedoria andarem juntas.